envelope

27May09

O eterno problema dos carteiros

O eterno problema dos carteiros é não saberem onde guardamos
o nosso amor. Olham os envelopes com os bigodes espantados
e acariciam-nos, violentamente, com carimbos de regresso à solidão.
Estão fechados em casas de janelas vermelhas e saem à rua de farda.
Pisam o chão com a mesma decisão de um exército perdido na batalha
anterior e tocam, tocam muito, às campainhas de quem não está.
O eterno problema dos carteiros são os sacos sem fundo
onde a nossa letra se torna irreconhecível de tão escuro.
Os selos abraçam-se e fogem para o paraíso dos selos,
as letras dançam ao sabor do esquecimento e não se sabe nunca
onde está o remetente e o destinatário. Nos gabinetes, uma vez mais,
bigodes sisudos e derrotados, têm os dedos feios e duros ao toque.
Eu não poderei nunca saber, mas juro que os envelopes choram.
O eterno problema dos carteiros é não terem asas para subir às janelas
das amadas, que se penteiam longamente em frente aos espelhos velhos das avós.
Não poder ser anjo anunciador, nem mágico, navegante, descobridor.
E talvez lhes pese o bigode insólito e burocrático, o pêlo encravado
sobre o lábio. Eu continuo a lançar envelopes em branco da varanda.

Luís Filipe Cristóvão

quem me mostrou essa lindeza foi letícia =)



One Response to “envelope”

  1. eu gostei muito desse poema dele:
    http://ricardoromanoff.wordpress.com/2009/01/20/e-como-ficou-chato-ser-moderno/

    ótimos os posts por aqui, como sempre.


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